Portugal no estrangeiro
Abriu um novo restaurante português em Bruxelas. Se é que devo chamar-lhe restaurante. Se calhar era melhor dizer que abriu mais uma tasca portuguesa em Bruxelas. Por ser isso que me ocorreu, no domingo de manhã, quando espreitei lá para dentro e vislumbrei, de um lado, um balcão atrás do qual se apresentava uma vasta colecção de bebidas espirituosas e aguardentes para o cheirinho da bica e, do outro, umas quantas mesas corridas, ornamentadas de pratos, talheres e guardanapos.
Do lado do balcão, em pé ou sentadas, uma dezena de pessoas com ar domingueiro. Os homens, feios, alguns barrigudos, outros com bigode, de cabelo esticadinho porque ainda molhado pela água do banho domingueiro, como se tivessem sido lambidos por vacas, já experimentavam o sabor amargo da Sagres e da Super Bock. As mulheres, de meias de vidro e saltos altos, beberricando cafés em pequenas chávenas onde deixavam marcas de baton, não se atreviam a tirar os casacos, pois se há coisa que se cumpre nas tascas portuguesas em Bruxelas é a tradição, e a tradição lusitana manda que se passe frio dentro de casa.
Afastei o nariz da montra da tasca, meio desiludida, mas nem sei por que motivo alimentei, por instantes que fosse, a esperança de que iria encontrar algo diferente.
Salvo as honrosas excepções, Portugal no estrangeiro continua a ter aquele ar da província última metade do século XX (anos noventa fora). Aquele café-restaurante novo foi decalcado do café da aldeia ribatejana onde eu passei os fins-de-semana e as férias da minha época juvenil. Clientela e tudo.
Apesar de não ter visto nenhuma, era capaz de jurar que a um dos cantos, suspensa a partir do tecto, estava uma televisão sintonizada num qualquer canal desportivo ou até, quem sabe, na RTP Internacional. Aí, seria ouro sobre azul. Uma televisão sintonizada na RTP Internacional e mergulhávamos nos idos anos setenta; a harmonia seria quase total.
Não, não encontrei nada naquele estabelecimento que me desse a mais ténue pista sobre a primeira década do século XXI. A não ser talvez as folhas A4 coladas na montra, exibindo fotografias a cores dos pratos servidos às refeições (francesinhas, leitão, cozido à portuguesa e afins). E a comida será com certeza a única coisa que me fará lá voltar.
Ilustração do Bruno Rafael, descoberto há minutos no Google Images, que tem um blogue cheio de desenhos giros.
17 Comments:
Vá lá não terem uma toalha de papel colada na montra com os pratos do dia escritos à mão com caligrafia sui generis... ou avisos tipo "Á tramosso e menduins".
Sei do que falas. Infelizmente...
xi-cos
Vá lá não terem uma toalha de papel colada na montra com os pratos do dia escritos à mão com caligrafia sui generis... ou avisos tipo "Á tramosso e menduins".
Sei do que falas. Infelizmente...
xi-cos
Eh, eh, eh... Nisso não reparei, não.
Consola-te: quanto mais rasca, melhor se come :)
Olá! Concordo com a Mad. Ainda não houve nenhum "resto" tuga dos finórios que me servisse bem, e quando vou às tascas tenho sempre direito a um bom bife. Um cozido à portuguesa... é mesmo comida de domingo (suspiro)... nham nham nham.
Se fosse tasca de verdade, teria outra graça! ... mas não são tascas ... são restaurantes ... Enfim, Carlota, eu cá percebo o que queres dizer ...
Mas em NY encontrei uma excepção ... aqui :)
... o que está em causa não é a comidinha (nham nham) ... é o cenário!
Também sonho com o dia em que encontre por aqui um restaurante português com bom aspecto e boa comida. Afinal, as duas coisas não são incompatíveis, pois não?
Mad e Nokas, a comida não é o que está em questão. Aquilo a que me refiro é, essencialmente, a paragem no tempo e a sensação de regresso ao passado sempre que entro num destes estabelecimentos.
Viva o progresso, Sinapse. Teremos de mandar alguns portugueses de Bruxelas fazer um estágio a NY?
Boa pergunta, Pitucha. Aliás, essa é a pergunta. Essencial.
Xi-cos a todas.
E não é um facto que estamos paradinhos no tempo há umas décadas valentes?!?!
E jamais recuperaremos...
AhAhAh... a descrição é deliciosa! Realmente, faz lembrar aqueles cafés de aldeia. Noe ntanto, se a comida for boa e fizer "atenuar" as saudades de casa... acho que merece uma visita.
Não vou deixar os louros só com a Sinapse e NY. Também aqui, em Sandton, podes ir a este restaurante. De facto fui lá várias vezes e numa delas tive o prazer de conhecer e partilhar a mesa do Nelson Piquet (pai)e mais um grupoe de amigos. Duma outra vez conheci o Rubens Barrichello, na verdade num longínquo dia da década de oitenta , quando ele se estreou em Kyalami.
O restaurante, entretanto, mudou de gerência, estive lá há três ou quatro anos e pedi bacalao villamoura que consistia em bacalhau grelhado (genuino) com... chips and broccoli. Tá tudo dito. Mas continua com bom ambiente e boa comida.
Um restaurante de comida portuguesa que virou tasco de comida de fusão ou lá como chamam isso. :)
JG, não sejas tãaao pessimista, vá lá!
Hei-de lá ir, Bia, hei-de lá ir.
Espumante, a minha resposta ao teu comentário saiu antes destas.
Quantos detalhes! Consegui visualizar tudo, inclusive a ¨eles¨, muito bom!!!
Ah, ¨meias de vidro¨... há quanto tempo não escuto.
Beeijos
desses não tenho aqui , mas sei do que a casa gasta ...
No ano passado estive em Bruxelas e levaram-me a um restaurante tuga chamado Fado (creio) numa cidade perto, antiga e universitária muito bonita que agora nao me lembro o nome, e gostei! A decoracao nao era o máximo mas aceitável, confortável (nada de tvs ou luzes brancas)e o servico e cozinha muito bons!
Eu vivo em Viena e aqui temos um bar portugues que serve tambem uns snacks muito in! Chama-se Pessoa Lounge! Feito por arquitecto, inserido num palácio e pertencente a dois jovens empreendedores portugueses. Um bom exemplo, sem dúvida.
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