Não que eu goste por aí além de polacos. Na verdade, há um que todas as manhãs abre a porta do meu gabinete sem bater e atira-me um bonjour num sorriso tão plastificadamente simpático que tenho vontade de lhe mandar à cabeça o meu Page'Up. Tenho alergia a estas demonstrações de boa disposição e vizinhança em geral, que além disso me provocam náuseas quando ocorrem de manhã. Acresce que o dito também tem a capacidade de se ir embora com todas as informações de que precisa sem ter a delicadeza de agradecer, pelo que estou disposta a, brevemente, ministrar-lhe uma lição de boas maneiras.
Por outro lado, lembro-me do que aconteceu no passado mês de Junho quando os polacos bloqueavam o acordo sobre o sistema de votos no Conselho Europeu. Foi preciso Angela Merkel ameaçá-los para que caíssem das núvens. E ocorre-me também a barbaridade dita pelo primeiro ministro Jaroslaw Kaczynski a uma rádio polaca ("a Polónia teria 66 milhões de habitantes, se não tivesse ocorrido a II Guerra"), ainda a propósito da distribuição dos votos no Conselho, demonstrando que não tinha a mais pequena noção acerca daquilo que é e para o que serve hoje a Europa unificada.
Tenho a impressão, portanto, de que os polacos têm um especial dom para pôr o pessoal nervoso.
Mas, como em tudo na vida, há coisas pelas quais vale a pena nos enervarmos, discutirmos e darmos um valente murro na mesa e há outras que não valem um segundo do nosso tempo. Mesmo que na sua origem estejam os polacos. Exemplo disso foi o mais recente bloqueio polaco à criação, pelo Conselho da UE, do dia europeu contra a pena de morte.
De facto, quando os ditos fizeram anunciar que não compactuariam na criação desse dia, alegando designadamente que o mesmo não se justificava devido ao facto de a pena de morte já ter sido abolida na Europa, toda a gente ficou novamente enervada (Ai, ui, que horror, não estão de acordo com a criação de uma coisa tãaaaao importante para toda a gente!). Não vi foi entusiasmos relativamente à contra-proposta polaca, que era a criação do dia europeu pró-vida (e designadamente contra o aborto e a eutanásia), se bem que tem tanta utilidade como o outro, mas, pronto, ao menos era a parte construtiva da crítica polaca.
Isto tudo para concluir que, se por um lado os polacos são habilidosos a exorcisar mal certos complexos de inferioridade de que, está visto, sofrem, há modas imbecis que pegam facilmente, como é o caso de bater em quem já está na mó de baixo. Irritou-me especialmente o tom de uma resolução aprovada ontem pelo Parlamento Europeu em que , e cito, reitera o seu apoio incondicional às instituições e aos Estados-Membros da UE, bem como ao Conselho da Europa*, para que, doravante, declarem o dia 10 de Outubro "Dia Europeu contra a Pena de Morte"; lamenta a falta de unanimidade no Conselho sobre esta matéria, e convida o futuro Governo polaco a apoiar inteiramente esta iniciativa, que reflecte valores fundamentais da União Europeia; convida todas as instituições e Estados-Membros da UE a, conjuntamente com o Conselho da Europa, continuarem a apoiar esta acção, e mandata o seu Presidente para promover esta iniciativa política.
Não me parece que o apontar de dedo público à Polónia por assuntos da relevância deste leve a grandes resultados a nível de construção europeia. Antes pelo contrário.
* O Conselho da Europa (não confundir com Conselho da UE) que, entretanto, (e com o voto contra da Polónia) decidiu proclamar o dia 10 de Outubro como o dia contra a pena de morte.